sábado, 25 de julho de 2020

MODERNISMO

LITERATURA - O MODERNISMO EM FOCO


Por uma boa leitura para entender “Meus oito anos”, de Oswald de Andrade

En réalité, chaque lecteur est, quand il lit, le propre lecteur de soi-même.
 (Marcel Proust)
(Na realidade, cada leitor é, quando lê, seu próprio leitor).

Leonardo Ferreira da Silva

Em primeiro lugar, quero destacar que o poema “Meus oito anos” de Oswald de Andrade é um intertexto de um poema com o mesmo título de Casimiro de Abreu. Dentro do universo da intertextualidade, devo evidenciar o “desvio de intencionalidade pelas diferenças e com um efeito de deslocamento, através do nonsense”, como frisou o Professor Doutor Antônio Fernando Viana, em seu livro “Assim cantavam os sabiás... Intertextualidades poéticas”, quer dizer, a intertextualidade – como se vê no poema de Oswald de Andrade – é um contrassenso. Nesse mesmo livro, Viana (2001, p.16) cita Roland Barthes com a finalidade de esclarecer que “o intertexto não é apenas um campo de influências: é, sobretudo, uma música de figuras, de metáforas, de pensamentos-palavras-chaves: é o significante soando como chamada-alerta”.
Para esclarecer a polêmica que foi gerada em torno do verso: “Da cocaína da infância”. Afirmo que em momento algum o poeta faz apologia às drogas. Muito pelo contrário, Oswald de Andrade faz uma denúncia. Cuidemos de aprender a ler. Se a leitura for isolada, “o texto vira pretexto sem qualquer contexto”. Criar pretexto não é leitura!
Antes de analisar o texto de Oswaldo de Andrade, destaco que um dos objetivos desenvolvidos por mim no ensino de literatura é promover o debate regrado acerca da discussão sobre o tema transversal que trata do combate às drogas. Por assim dizer, reafirmo que os entorpecentes têm destruído a vida dos usuários escravizando-os e levando-os ao mundo do crime. Nesse sentido, além desse aspecto, procedo a apreciação do texto em pauta.
Com efeito, preciso fazer um esclarecimento sobre o poema “Meus oito anos” de Oswald de Andrade na interface com o poema “texto-matriz” do poeta ultrarromântico Casimiro de Abreu. De pronto, começo com uma indagação: “que memória é essa trazida por Oswald de Andrade?” Com toda certeza não tem nada que ver com o saudosismo do Romantismo de Casimiro de Abreu. O leitor incauto poderá tomar um grande susto ao se deparar com o verso: “Da cocaína da infância”. Estaríamos, portanto, diante de um absurdo? Seria infeliz o verso ou aqueles que sentenciaram as crianças (representadas por trás do eu poético) são responsáveis pelo drama?
Entendamos! Se o leitor for perspicaz, notará a finíssima ironia de Oswald de Andrade. Para melhor esclarecer esse e outros percalços que acometem um leitor mediano (ou leitor decodificador, ou neófito), passo a analisar o “poema-paródia” do escritor modernista (Oswald de Andrade). Em primeiro lugar, quando ele escreve: “Oh que saudade que eu tenho”, o tom do verso ressoa como uma forte crítica e, ao mesmo tempo, como uma ironia acerba. Essa, portanto, não é a mesma saudade “cantada” pelo “Poeta da Saudade” (Casimiro de Abreu). Entender a intertextualidade é fundamental para compreender essa afirmação. Os dois poemas analisados não são cópias fieis!  
Muito pelo contrário, o tom do verso de Oswald de Andrade é de arrependimento, de dor, de sofrimento por ter a infância aviltada. Quero destacar que não devemos confundir autor com eu lírico. Seria um equívoco sem precedentes afirmar que autor e eu lírico são a mesma coisa. Não são!
Passemos, agora, para a leitura do poema. Na sequência, “Da aurora de minha vida” revela mais uma ironia. Muito mais grave do que isso, o verso aponta para um crepúsculo, para um fracasso do eu lírico. Reitero que Oswaldo de Andrade critica o Romantismo. No verso seguinte, encontramos “Das horas/ de minha infância”, que reflete os poucos momentos (de infância) interrompidos pelos abusos contra as crianças e contra os adolescentes no Brasil (neste contexto específico). Em: “Que os anos não trazem mais”, atestamos a impossibilidade de reparar tudo que o eu lírico perdeu enquanto criança. No verso: “Quintal de terra”, notamos a presença de uma localidade precária que revela outra realidade brutal (o problema da falta de moradia digna): “Debaixo da bananeira”, ou seja, às escondidas, em um lugar proibido. Diferente dos versos de Casimiro de Abreu, o eu poético não está “À sombra das bananeiras”, mas está debaixo. Apenas “bananeira”. No verso subsequente: “Sem nenhum laranjais”, quer dizer, sem proteção, sem alimento (sem os laranjais e sem as laranjas). Em outras palavras, são pessoas que passam fome. Seriam, pois, cidadãos de papel (ou seja, os vitimados são cidadãos apenas nas entrelinhas dos textos jurídicos, como ironizou Gilberto Dimenstein em seu livro: “O Cidadão de Papel”)?
A parte mais polêmica no poema reside nos seguintes versos de Oswald de Andrade: “Eu tinha doces visões/ Da cocaína da infância”. Leiamos com inteligência e sinceridade! Indubitavelmente, é notável que o poeta tem a finalidade de provocar o leitor. Esses versos não fazem apologia às drogas. Na verdade, os dois versos escandalizam o leitor propositadamente colocando-o em crise. Assim, deparamo-nos com versos que denunciam a realidade de crianças e/ou adolescentes que são atingidas/os pela brutal violência das drogas. Um leitor incipiente poderia imaginar erroneamente que o poeta estaria valorizando uma ação criminosa. No entanto, o escritor pretende tecer uma crítica duríssima aos hipócritas de seu tempo (que se estende para os nossos dias). No verso: “Nos banhos de astro-rei”, isto é, exposto ao sol, ao abandono... São crianças que “cominam luz” (como podemos resgatar os versos da canção “Brejo da Cruz”, de Chico Buarque). Completa o poeta: “Do quintal de minha ânsia”, leva o eu lírico para uma dor existencial. Não seria mais o quintal da casa, mas o próprio interior devastado do eu poético.
 Portanto, reafirmo que em momento algum Oswald de Andrade se refere á infância ingênua do Romantismo. Na realidade, Oswald de Andrade revela a “malícia da adolescência”. Trata-se, na verdade, de uma “saudade de ingratidão”, um desencanto, uma dor existencial gerada por razões políticas, econômicas, sociais etc. No poema de Oswald de Andrade, não há espaço para uma nostalgia de infância, como ocorria no Romantismo. Muito pelo contrário, Oswald de Andrade denuncia o descaso advindo do “progresso” ou da “explosão” dos grandes centos urbanos, em um tom profundamente irônico, sarcástico e, por demais provocador. Como tenho dito reiteradamente, Oswald de Andrade causa constrangimento e provoca escândalo. Por isso mesmo, Oswald de Andrade expõe um eu poético que se martiriza ao lembrar a infância. Estão evidentes, por conseguinte, os sonhos esfacelados. Pessoas aviltadas, cada uma delas em sua infância, que não podem voltar para corrigir, porque tiveram uma fase da vida furtada pelas circunstâncias. Nesse sentido, ressaltamos, no poema de Oswald de Andrade, a luta entre a criança vítima do abandono e um adulto marcado pelas consequências do tráfico, das drogas e de tudo que se relaciona com o abandono social, com a negligência etc. Tudo isso revela o retrato funesto e indelével da realidade nos grandes centos urbanos brasileiros a que o poeta de referiu. Leiamos com rigor e profundidade!




GERAÇÃO DE 30 
SEMINÁRIOS 

          Conforme planejamento apresentado com antecedência, exponho a proposta de apresentação de seminários. Em princípio, os estudantes devem atentar para o contexto histórico como pode ser visto abaixo:


Figura 1 - Resumo do contexto histórico de 1929 até 1945





Figura 2 - Imagem de José Américo de Almeida e capa do livro A Bagaceira







Figura 3 - Imagem de Gilberto Freyre e duas capas de livro com foto de Apipucos como plano de fundo


             A tese "Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century" é ampliada na forma de livro cujo título conhecemos hoje como Casa Grande e Senzala. Principalmente com essa produção, Gilberto  Freyre (1900-1987) influenciou diretamente os ficcionistas do Nordeste. 



            Como tenho defendido em minhas aulas, é imprescindível tomar consciência da relação imagética que há entre texto verbal e imagem. Por essa razão mesma, oriento a leitura da produção literária de 30 na interface com a série Retirantes, de Cândido Portinari. Ao confrontar imagem pictorial e texto Silva (2018, p. 139) declara "testemunhamos, aqui, a simbiose entre imagem presente nos textos com as composições a seguir de Cândido Portinari... as palavras adquirem diversos significados, podendo até assumir um elevadíssimo grau de visualismo e de simbolismo, assim a imagem pictórica sugere a escrita..." Vejamos:




Figura 4 - Imagem de tela Retirantes (1944) com foto de Portinari no plano de fundo


            Na sequência, a composição a seguir revela intertextualidade com a escultura de mármore a Pietà do Vaticano, de Michelangelo, da forma como pode ser visto no painel abaixo:



Figura 5 - Imagem de tela Os Retirantes com foto de Portinari no plano de fundo





            Nesse sentido, ao refletir sobre o intertexto, Silva (2018, p. 142) explica que "no painel, o drama em torno da criança morta faz referência à cena da arte cristã". 



            Em 1930, Rachel de Queiroz (1910-2003) traz uma contribuição valiosíssima ao denunciar questões em torno do tema da seca, quando publica o romance O Quinze. 



Figura 6 - Imagem de Rachel de Queiroz e duas capas de livro






Figura 7 - Imagem de Graciliano Ramos e capas de livros


Figura 8 - Imagem de José Lins do Rego e capas de livros






Figura 9 - Imagem de Jorge Amado e capas de livros







             É prudente observar a contribuição da produção literária gaúcha no contexto na geração de 30. Nesse particular, destacamos parte da obra de Érico Veríssimo (1905-1975).



Figura 10 - Imagem de Érico Veríssimo e capas de livros




Figura 11 - Imagem de ficha de inscrição dos grupos


Referências


BOSI. Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Coltrix, 1977. 

CEREJA, William Roberto. Literatura Brasileira: em diálogo com outras literaturas e outras linguagens. São Paulo: Atual, 2009.

PEREIRA,  Nice M. Literatura, ilustração e o livro ilustrado. In BONNICI, T.; ZOLIN, L. O (Orgs.) Teoria Literária: Abordagens Históricas e Tendências Contemporâneas. 3 ed. Maringá: UEM, 2009.

SILVA, Leonardo Ferreira da. Linguagem visuoverbal: letramento, ensino e produção de sentido. Olinda: Livro Rápido, 2018.