sábado, 18 de abril de 2020

EM DIA COM O SSA - UPE

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
🚶 Em busca do sentido...🚶
®Leonardo Ferreira da Silva

Em dia com a  UPE -SSA - 3 


Ter mais e ter menos 


          Vários leitores me escreveram para acusar os "tempos modernos", em que ter é mais do que "ser". Hoje, o que temos nos define, à condição, claro de ostentá-lo o suficiente para que os outros saibam: constatando nossos "bens", eles reconheceriam nosso valor social.
           Essa seria a razão da cobiça de todos e, em última instância, da facilidade com a qual todos nos tornamos criminosos. A partir dessa constatação, alguns de meus correspondentes tentam explicar uma diferença entre ricos e pobres em matéria de crime. O argumento básico funciona mais ou menos assim: 1) para ser alguém, na nossa sociedade, é preciso ter e ostentar bens; 2) quem vale menos na consideração social ( o desfavorecido, o excluído, o miserável) teria um anseio maior de conquistar aqueles bens que aumentariam seu valor aos olhos dos outros.
          Em suma, precisamos ter para ser - e, se formos poco relevantes ou invisíveis socialmente, só poderemos querer ter mais e com mais urgência. À primeira vista, faz sentido. Mas, antes de desenvolver o raciocínio, uma palavra em defesa da modernidade.
          Tudo bem, uma sociedade em que as diferenças são decididas pelo "ter" (vale mais quem tem mais) pode parecer um pouco sórdida. Acharíamos mais digna uma sociedade na qual valeria mais quem "é" melhor, não que acumulou mais riquezas.
          O problema é que, em nosso passado recente, as sociedades organizadas pelo "ser" já existiram, e não foram exatamente sociedades para onde a gente voltaria alegremente - eu, ao menos, não gostaria de voltar para lá.
          Geralmente, uma sociedade organizada pelo "ser" é uma sociedade imóvel. Por exemplo, no antigo regime, você poderia nascer nobre, perder todos os bens e sua família, inclusive a honra, e continuaria nobre, porque você já era nobre. Inversamente, você podia nascer numa sarjeta urbana e enriquecer pelo seu trabalho ou pela sua sabedoria, e nem por isso você se tornaria nobre, porque você o não o era. Ou seja, em matéria de mobilidade social, as sociedades nas quais o que importa é o "ser" são sociedades lentas, se não paradas, e as sociedades nas quais o que importa é o "ter" são sociedades nas quais a mudança é possível, se não encorajada.
          É bom lembrar disso quando criticamos criticamos nossa "idolatria" consumista ou nossa vaidade. Podemos sonhar com uma sociedade organizada pelas qualidades supostamente intrínsecas a cada um (haveria os sábios, os generosos, os fortes etc.), mas a alternativa real a uma sociedade do "ter" são sociedades em que castas e dinastias exercem uma autoridade contra a qual o indivíduo não pode quase nada.
          Voltemos agora à observação de que, numa sociedade do "ter" como a nossa, os que têm menos seriam, por assim dizer, famintos - e, portanto, propensos a qualquer custo. Eles recorreriam ao crime porque sua dignidade social depende desse "ter" - para eles, ter (como navegar) é preciso.
          Agora, o combustível de uma sociedade de "ter" é uma mistura de cobiça com vaidade. Por cobiça, preferimos os bens materiais a nossas eventuais virtudes, mas essa cobiça está a serviço da vaidade. A riqueza que acumulamos não vale "em si", ela vale para ser vista e reconhecida pelos outros: é a inveja deles que afirma nossa desejada "superioridade". Em outras palavras, os bens que desejamos são indiferentes ; o que importa é o reconhecimento que esperamos receber graças a eles. Por consequência, nenhum bem pode nos satisfazer, e a insatisfação é parte integrante de nosso modelo cultural.
          Não é que estejamos insatisfeitos porque nos falta alguma coisa (aí seria fácil, bastaria encontrá-la). Somos ( e não estamos) insatisfeitos porque o reconhecimento dos outros é imaterial, difícil de ser médio e nunca suficiente. A procura por bens é infinita ou, no mínimo, indefinida, como é indefinida a procura pelo reconhecimento dos outros.
          Os bens que conquistamos (roubando ou não, tanto faz) não estabelecem nenhum "ser", apenas alimentam, por um instante, um olhar que gratificaria nossa vaidade. Não existe uma acumulação a partir da qual nós nos sentiríamos ao menos parcialmente acalmados em nossa busca por esse reconhecimento. Ao contrário, é provável que a cobiça e a vaidade cresçam com o ter. Ou seja, é bem possível que a tentação do crime seja maior para quem tem mais do que para quem tem menos.

Contardo Calligaris. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2015/05/1634384-ter-mais-e-ter-menos.shtml. Acesso em: 27/6/15. Adaptado.
®Leonardo Ferreira da Silva
Questão 1 - O autor do texto (Ter mais e ter menos) defende, fundamentalmente, a ideia de que:
A) nos tempos atuais, quem exibe bens materiais consegue obter mais vantagens e prestígio social.
B) os mais pobre desejam conquistar bens materiais a fim de atender as suas necessidades básicas.
C) quem recorre ao crime para obter bens deveria ter justificadas as suas ações ilegais, visto que apenas anseia por dignidade.
D) para se tornarem mais dignos, os cidadãos deveriam valorizar mais o "ser" do que o "ter".
E) a busca pelo "ter", na verdade" é uma busca pelo "ser" e está fadada ao fracasso, porque o "ser" é intangível.
®Leonardo Ferreira da Silva
Questão 2 - Para desconstruir a ideia amplamente difundida de que "vale mais quem 'é' melhor, não quem acumula mais riquezas", o autor utiliza o seguinte argumento:
A) a vontade de querer ter mais está relacionada a um desejo profundo de ser aceito pelo outro.
B) as sociedades que defendem o "ter" em detrimento do "ser" devem ser consideradas indignas.
C) as sociedades orientadas pelo "ser" costumam manter-se estagnadas, sem permitir a ascensão de outros membros.
D) o sonho de uma sociedade organizada, conforme as qualidades de seus membros, levaria à suspensão da 'idolatria consumista'.
E) a conquista de bens materiais é importante, porque permite que cheguemos ao que realmente importa: o "ser".

Nenhum comentário:

Postar um comentário